domingo, 6 de dezembro de 2009

Abstrativização do Controle Concreto de Constitucionalidade


O direito pátrio adota o sistema misto de controle jurisdicional de constitucionalidade, ou seja, prevê tanto o controle pela via difusa (concreto) como pela via concentrada (abstrato).  Este tem como finalidade a proteção da ordem constitucional de forma objetiva. O ato normativo é colocado em cotejo com as disposições constitucionais para aferição de sua compatibilidade. Há uma análise em tese, independente de interesses jurídicos específicos e sua decisão implica em efeitos erga omnes. Diferentemente, ocorre com o controle concreto, onde é exercido em um processo judicial, visando solucionar controvérsias envolvendo direitos subjetivos, sendo a argüição de inconstitucionalidade analisada como um incidente, tornando-se uma questão prejudicial, tendo a decisão eficácia, em regra, somente entre as partes contendentes.
É justamente na excepcionalidade desta regra, que consubstancia-se a “tendência moderna da abstrativização do controle concreto”, onde parte da doutrina e alguns julgados do STF e STJ rumam para uma nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle concreto pelo STF. Confere-se à decisão não mais efeitos inter partes, mas sim erga omnes. A decisão sob este aspecto, mesmo referindo-se a uma situação específica, serviria de precedente vinculante às demais hipóteses assemelhadas.
Pedro Lenza (2008, p. 154) estabelece entre os principais argumentos a justificar esse novo posicionamento: a força normativa da Constituição; o princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários; o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo; e, a dimensão política das decisões do STF.
Como exemplo emblemático, cita-se o julgamento do HC n. 82.959/SP, onde ao analisar a constitucionalidade do dispositivo da lei dos crimes hediondos não permissivo da progressão de regime prisional aos autores de delitos tipificados naquela lei, o Supremo Tribunal Federal, apesar de se tratar de controle concreto, conferiu aparentemente efeito erga omnes, típico do controle abstrato, à sua decisão. Nos votos dos Ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence, como muito bem observado por Marcelo Novelino (2008, p. 168), advertiram, que, “na verdade, o Tribunal não estava decidindo o caso concreto, mas a constitucionalidade da vedação de progressão do regime a condenados pela prática de crimes hediondos”.
Posteriormente, questionou-se a eficácia erga omnes desta decisão proferida em sede de controle concreto de constitucionalidade, na Reclamação Constitucional n. 4.335/AC, interposta pela Defensoria Pública do Acre contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco/AC, onde se recusou a aplicar tal entendimento, haja vista a decisão não ter força vinculante, pois proferida em um contencioso subjetivo.
Até hoje a matéria não foi definitivamente julgada pela corte máxima, o relator, Ministro Gilmar Mendes, sendo acompanhado pelo Ministro Eros Grau, julgou procedente a reclamação, entendendo basicamente que, conforme expõe Marcelo Novelino (2008, p. 169), “a multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e o advento da Lei n. 9.882/99 alteraram de forma radical a concepção dominante sobre a separação dos Poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral”.
Divergindo do relator, os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, julgaram improcedente a reclamação, haja vista que a Constituição Federal já prevê mecanismos mais seguros para tal mister: a utilização da súmula vinculante. Além disso, partidários deste entendimento, argumentam que a Constituição Federal não permitiu esta interpretação, ou função ao STF, pois esta foi conferida ao Senado Federal, conforme preleciona o art. 52, X, CF, ou seja, caberia ao Senado Federal expurgar do ordenamento jurídica norma declarada inconstitucional pela STF em julgado de recurso extraordinário, dotando-a de eficácia erga omnes.
Combatendo este argumento, o Ministro Gilmar afirma que o papel do Senado Federal passou por uma autêntica “MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL”, em razão da completa reformulação do sistema jurídico, incumbido-lhe apenas a tarefa de dar publicidade a não mais aplicabilidade da norma viciada.
                        Como outro exemplo desta moderna tendência, cita-se o caso Mira Estrela, onde o TSE adotou para todos os Municípios da federação, entendimento fixado pelo STF, em sede de controle difuso, para o número de vereadores. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes salientou a necessidade de se observar o efeito transcendente que estava sendo conferido à decisão.
                        Diante de todo o exposto, mesmo com posições contrárias, que entendem que deveria haver mudanças na Constituição para sua aplicabilidade, a “tendência de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade” afigura-se como mais um mecanismo de maximizar os efeitos das decisões da Suprema Corte. Seguindo a esteira da EC 45/2004 que criou a súmula vinculante e a repercussão geral em sede de recurso extraordinário, evitando-se o reiteramento de questões já decididas, contribuindo para a concretização de princípios como o da economia processual, da efetividade do processo e da celeridade.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. X ed. São Paulo: Método, 2008.
NOVELINO, Marcelo. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade. Salvador: Juspodivm, 2008.