Como começar um ensaio que já principia pelo fim. Decantada e odiada em diversas culturas, estudada e filosofada por vários intelectuais, mito e base de muitas religiões, a “dita cuja” também serve de inspiração.
Saramago com sapiência peculiar, ao retratar a situação caótica que se abateu, quando a morte resolveu “grevar”, bem como Odorico Paraguaçu, no afã de inaugurar a casa dos mortos, nos chamaram a atenção para sua necessidade. A revista Super Interessante certa feita teve como matéria de capa algo em torno desta temática, a certeza do fim é que impulsiona tudo na vida.
Falo de morte e logicamente tenho que tocar na vida. Dialeticamente falando não há tese sem antítese. Pior de tudo é morrer em vida. Millor Fernandes já disse, que impossível evitar a morte e o nascimento, em sequência provocava, dá para melhorar o intervalo?
Melhorou tanto o intervalo, assim como outro mais novo saudoso, Chico Anísio, que me pergunto, será que não venceram aquela certeza e tornaram-se imortais?
As coisas são contraditórias. Uns reclamam o direito de morrer e outros o de viver.
Direito. Claro que não ia ficar de fora.
Vida, direito fundamental constitucionalmente assegurado.
Nosso Código Penal assim o faz. Pune o homicídio, culposo ou doloso, simples ou por quaisquer motivos, nobre (privilegiado) ou fútil (qualificado) e até o privilegiado-qualificado, suicídio (não o próprio, que já punido pela sua ação, mas quem o instiga, induz ou auxilia), infanticídio, aborto, e até as condutas preterdolosas (culpa seguida ao dolo), como na lesão corporal seguida de morte, ou quando se objetivava outro bem e, não se contendo, atinge-se o supremo, como no caso do latrocínio.
Ou seja, não matem que serão castigados. Seja pela lei dos homens, seja pela divina, ofendendo-se o primeiro de todos os mandamentos. Religião e direito.
Religião e direito. Que fique claro, aos mais aprofundados intérpretes que não estou dizendo que um é a vida e o outro a morte. Talvez sim, mas isso é outra questão.
Lembrei-me por falar nisso, que o Supremo Tribunal Federal iniciará no próximo dia 11 o julgamento da ADPF 54 proposta pela CNTS – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, que versa sobre a possibilidade legal de antecipação terapêutica de parto nos casos em que os fetos apresentem anencefalia.
Liminar concedida pelo Ministrio Marco Aurélio, onde afirmou à época: “"diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar".
Posteriormente cassada pelo Plenário da Corte Suprema, o tema divide opiniões, paixões e religiões.
Para os autores, a criminalização do aborto de anencéfalos ofende a dignidade da mãe, que também corre risco de morrer com a gravidez. Estudos anexados ao processo alegam que a má-formação letal no cérebro pode ser detectada com 100% de certeza durante a gravidez, inclusive pela rede pública de saúde. E, tecnicamente, não se trata de aborto e sim de antecipação do parto.
Para os contrários, especialmente setores religiosos e de entidades em defesa da vida, o feto já é um ser humano e que o aborto é semelhante ao assassinato.
Como já está ficando um pouco massante e descambando para o lado técnico do pretenso jurista que escreve, tá na hora de acabar.
Acabar¹? Então morrreu!?
Não. Como comecei pelo fim falando da morte, agora termino pelo começo falando... da morte!
Estamos na Semana Santa.
Relembremos o sacrifício do MAIOR DE TODOS OS HOMENS que venceu a morte e provou com a ressurreição que aquela é o começo de tudo, ou pelo menos de uma nova vida e oportunidades.
Feliz Páscoa!!!
*Texto dedicado aos amigos do Gabinete
