No julgamento da Reclamação nº2138, após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria, que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF.
"Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição.”(Trecho da ementa do acórdão da Rcl. 2138 DF)
Para o Ministro Jobim, relator do processo, o julgamento de um agente político, como ministro de Estado, por um juiz de primeira instância é incompatível com a Constituição Federal (artigo 102, I, “c”), que concede prerrogativa de foro a essas autoridades. Assim, não se trataria de um privilégio pessoal dos agentes políticos, mas uma garantia para que possam exercer suas atribuições político-administrativas, que consistem em expressar a vontade soberana do Estado.
O Min. Gilmar Mendes, acompanhando o relator, acrescentou ainda, que a norma apesar de não ser de natureza penal, possui forte “conteúdo penal”, prevendo sanções de elevada gravidade, razão pela qual se deve respeitar a prerrogativa de foro. Além disso, esclarece que não se trata de entendimento que privilegie a impunidade, uma vez que as penas referentes ao ressarcimento de danos ao erário, por exemplo, poderiam ser feitas por vias ordinárias, como ação de cobrança, e neste caso, sob a competência da justiça de primeiro grau.
Em argumentação oposta, a minoria, conduzida pelo Ministro Carlos Velloso, entendeu que, apesar dos agentes políticos responderem pelos crimes de responsabilidade previstos nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), em nada seria vedado, que os mesmos respondessem na forma da Lei nº 8.429/92, por atos administrativos não tipificados como crime de responsabilidade e estivessem definidos como ato de improbidade, em observância ao princípio da moralidade. Submetidos, assim, de igual modo aos demais agentes públicos, ao crivo do juízo de 1º grau.
O Min. Joaquim Barbosa acompanhando o voto vencido, acresce a esses fundamentos que no Brasil coexistem disciplinas normativas diversas em matéria de improbidade, as quais embora visando à preservação da moralidade na Administração Pública, possuem objetivos constitucionais diversos: Lei 8429/92, concretização do princípio da moralidade administrativa, buscando coibir a prática de atos desonestos e antiéticos; art. 85, V, da CF e, na Lei 1.079/50, responsabilização política, onde o objetivo seria o de lançar no ostracismo político o agente político faltoso. Dessa forma, estar-se-ia diante de entidades distintas que não se excluiriam e poderiam ser processadas separadamente, em procedimentos autônomos, com resultados diversos, não obstante desencadeados pelos mesmos fatos, o que é perfeitamente admissível em nosso ordenamento jurídico. Acresce ainda que, eximir os agentes políticos da ação de improbidade administrativa, além de gerar situação de perplexidade que violaria os princípios isonômico e republicano, seria um desastre para a Administração Pública, um retrocesso institucional. Por fim, considerava que a solução então preconizada pela maioria dos Ministros, ao criar nova hipótese de competência originária para o Supremo (CF, art. 102), estaria rompendo com a jurisprudência tradicional, segundo a qual a competência da Corte só poderia ser estabelecida mediante norma de estatura constitucional, sendo insuscetível de extensões a situações outras que não as previstas no próprio texto constitucional. Destarte, a ação proposta deveria ter seu curso normal perante as instâncias ordinárias.
Esposado nos argumentos expostos, entende-se que os dois regimes de responsabilidade podem ser aplicados, uma vez que as responsabilizações são diferentes e acima de tudo pelo clamor nacional, ou seja, causaria um vazio nos anseios populares saber que os principais mandantes da nação não são passíveis de responsabilização perante a lei de improbidade administrativa, que nasceu para esse fim, coibir “desatinos” com o bem público.
No entanto, essa convivência dos institutos requer uma análise não simplesmente jurídica, mas também política, já que não é razoável que um mandante maior da nação fique sujeito a perda do cargo por ações tramitando perante juiz singular.
A lei nº 1079/50 prevê como penalidades a perda do cargo e a inabilitação para exercício de qualquer função pública por até oito anos, enquanto o regime previsto na lei de improbidade administrativa, além daqueles, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário. Assim, parece ter razão quem prega que na aplicação das penas de perda de cargo e inabilitação para exercício de função pública aplicar-se-ia a lei de crimes de responsabilidade e nos demais, a lei n.º 8429/92, onde estas tramitariam no juízo de primeiro grau e aquelas no STF, resguardando a autonomia dos altos escalões do governo em suas decisões político-administrativas, por serem expressões da vontade soberana do Estado, como aventado pelo Ministro Jobim.
Em relação ao campo de abrangência dos agentes políticos que respondem por crime de responsabilidade, o STF no caso em análise entendeu que só se refere àqueles previstos no art. 102, I, “b” e “c”, e art. 52, I e II da Constituição Federal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo n.º 417, STF. Disponível em: www. stf.gov.br.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 2.138-DF. Relator Originário: Min. Nelson Jobim. Relator para o acórdão: Min. Gilmar Mendes (art. 38, IV, b, do RISTF). DJE nº 070, Divulgação 17/04/08, Publicação 18/04/08, Ementário n.º 2315-1, Brasília, DF.