sábado, 25 de setembro de 2010

Impasse constitucional: conceito de processo eleitoral rachou o Supremo

O Supremo Tribunal Federal deverá se debruçar novamente, na próxima quarta-feira (29/9), sobre o recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC). Ele recorreu contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que indeferiu o registro de sua candidatura. Desta vez, os ministros julgarão a desistência do recurso feita nesta sexta-feira (24/9) pelo advogado do político, Alberto Pavie Ribeiro.

A discussão de 11 horas sobre o caso do ex-candidato na quinta-feira, contudo, não foi em vão. Ministros afirmam que por se tratar de recurso no qual foi reconhecida a repercussão geral por unanimidade, o teor dos votos pode ser utilizado em outro processo que conteste a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10). Com a desistência de Roriz de concorrer ao governo do DF, o recurso perde o objeto. Mas os casos nos quais há repercussão geral ultrapassam o interesse das partes. Por isso é que se podem usar os fundamentos em outra ação.

O Supremo tem um precedente sobre desistência em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. No Recurso Extraordinário 572.499, cuja relatora foi a ministra Cármen Lúcia, decidido em março deste ano, o tribunal julgou prejudicado o recurso em razão de desistência porque havia na Corte outros casos que discutiam a mesma tese. Há no Supremo outros recursos que questionam a eficácia da Lei da Ficha Limpa.

Em todos os casos os advogados alegam, preliminarmente, que a lei feriu o artigo 16 da Constituição Federal, que fixa o chamado princípio da anterioridade, segundo o qual qualquer lei que influa nas eleições tem de esperar o prazo de carência de um ano a partir da data de sua publicação para ser aplicada.

O artigo 16 diz o seguinte: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. O racha entre os ministros, que impediu o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de proclamar o resultado do julgamento, se deu exatamente pelas diferenças entre o conceito do que é processo eleitoral.

A Lei Complementar 135 foi publicada em 7 de junho deste ano. Assim, só poderia valer de fato a partir de 7 de junho de 2011. Na prática, só se aplicaria aos candidatos a partir das eleições municipais de 2012. Esse é o entendimento dos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.

Os outros cinco ministros — Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie — entendem que sua aplicação é imediata porque novas hipóteses de inelegibilidade não alteram o processo eleitoral. Logo, não teriam de cumprir o prazo de carência de um ano previsto na Constituição Federal.

Sobre este ponto é que se deu o impasse. Para os ministros que defendem a aplicação imediata da lei, só tem poder de interferir no processo eleitoral uma regra que desequilibra ou deforma a disputa. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata.

Para os que sustentam que a lei deve obedecer ao prazo fixado no artigo 16 da Constituição Federal, não ha interferência maior no processo eleitoral do que estabelecer novas regras que criem restrições para que um cidadão se candidate. “Ninguém em sã consciência pode afirmar que a Lei Complementar 135 não altera o processo eleitoral”, afirmou, nos diversos julgamentos sobre o tema dos quais participou até agora, o ministro Marco Aurélio.

Os ministros discordaram até de quando se inicia o processo eleitoral. Para a maior parte do time pró aplicação imediata da lei, o processo se inicia com as convenções partidárias, que pela Lei Eleitoral devem ser realizadas entre 10 e 30 de junho, e com os registros de candidatura, que devem ser feitos até as 19h do dia 5 de julho.

Para a outra metade do Supremo, o processo eleitoral começa um ano antes das eleições, com o fim do prazo para as filiações partidárias. Se para concorrer o candidato tem de estar filiado ao partido um ano antes das eleições, é nesta data que começa o processo rumo ao próximo pleito. Para a advogada Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, essa é a tese que deveria prevalecer.

“O marco inicial do processo eleitoral deve ser considerado o prazo final para a filiação partidária, que ocorre um ano antes das eleições”, afirma Maria Cláudia. Para a advogada, é necessário evitar que alterações nas regras do jogo valham depois disso. “Imagine se uma lei fixar, depois do prazo de filiação partidária, que para concorrer os cidadãos têm de estar inscritos nos partidos há pelo menos um ano e meio, em vez de um ano. Não há alteração no processo eleitoral?", questiona.

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, pouco importa quando vem a lei, se ela gera qualquer perturbação das eleições, tem de se submeter à carência constitucional de um ano.

Batalha jurisprudencial
Os votos de todos os ministros da Corte fizeram referência a um precedente específico: o julgamento do RE 129.392, julgado em 17 de junho de 1992. Na ocasião, o Supremo decidiu, por seis votos a cinco, que a Lei Complementar 64, sancionada em 13 de maio de 1990 e que trazia novas regras de inelegibilidade, tinha aplicação imediata porque não alterava o processo eleitoral.

Naquele julgamento, o entendimento da maioria dos ministros foi o de que a lei trazia uma complementação exigida pelo parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição, que fixava que lei complementar estabeleceria novas hipóteses de inelegibilidade. Assim, um artigo da Constituição (o artigo 16) não poderia ser aplicado para negar aplicação a outros artigos da própria Constituição.

Na última quinta-feira (23/9), a ministra Cármen Lúcia citou o voto do ministro Moreira Alves na ocasião, para quem o artigo 16 da Constituição visava apenas proteger o chamado casuísmo de véspera, ou seja, mudança legislativa destinada a favorecer a própria classe política. Mesmo que alterasse a lei eleitoral, a aplicabilidade deveria ser analisada e ponderada pelas suas finalidades, e não apenas pelo tempo de vigência.

Em maior ou menor grau, todos os ministros que votaram a favor da aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa votaram neste sentido. Também foram unânimes em sustentar que a Lei Complementar 135/10 tem índole constitucional e não se comporta no simples âmbito do processo eleitoral porque veio preencher lacuna por determinação da própria Constituição Federal.

Os ministros também entendem que a lei foi publicada “bem antes” do prazo final para o registro das candidaturas. Por isso, os que se inscreveram já tinham ciência das restrições impostas pela nova norma. É ainda opinião comum do time da aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa que a lei deve ser julgada a partir de suas finalidades éticas, e não apenas por uma questão da data de sua aprovação.

O ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, afirmou que o artigo 16 da Constituição tem o objetivo de “inibir manobras casuísticas, suscetíveis de interferir abruptamente na organização, no decorrer e no resultado dos pleitos eleitorais”. Para Barbosa, esse não é o espírito da Lei da Ficha Limpa.

Mas para os ministros que votaram contra a aplicação imediata da lei, a interpretação de seus colegas sobre o conceito de processo eleitoral e a carência de um ano imposta pelo artigo 16 da Constituição está errada. Ao analisar o mesmo precedente do julgamento da Lei Complementar 64/90, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a conclusão a que seus colegas chegaram “é equivocada”.

De acordo com Gilmar Mendes, a Lei Complementar 64/90 instaurava um novo sistema normativo de inelegibilidades. O Supremo, então, decidiu que a norma não receberia a incidência do artigo 16 da Constituição “porque vinha de um mandamento constitucional inaugural”, Ou seja, preenchia lacunas em um sistema instituído pela nova ordem constitucional de 1988.

“A Lei Complementar 64 viria cumprir um mandamento constitucional e preencher um vazio. Daí a dispensa da anterioridade, para permitir a moralização e a lisura do processo eleitoral então em curso”, afirmou Mendes. Segundo o ministro, negar eficácia à lei naquela ocasião deixaria uma lacuna que não era permitida pela própria Constituição.

O quadro em relação à Lei da Ficha Limpa é completamente diferente. Já existia um sistema de inelegibilidades vigente há 20 anos, a partir do qual todos os candidatos se guiavam. Por isso é que a nova norma deveria respeitar o prazo de um ano para gerar eficácia. “Antes não se tratava de uma reforma ao texto. Agora há essa reforma”, sustentou Gilmar Mendes. A reforma consiste em alterar as regras do jogo. E para isso é necessário esperar um ano, por uma questão de segurança jurídica. “Não se pode utilizar esse precedente como norte”, afirmou Mendes.

De acordo com o advogado eleitoral Rodrigo Lago, o próprio Supremo, em outros precedentes, já admitiu que a Lei Complementar 64 contemplava a nova redação constitucional que mandava considerar a vida pregressa dos candidatos para fins de inelegibilidade. Assim, a Lei da Ficha Limpa apenas ampliou a proteção já existente. Por isso, "o comando do artigo 16 da Constituição tem plena aplicação em relação às novas regras, que não podem ser aplicadas em 2010".

Gilmar Mendes também fez um arrazoado sobre a jurisprudência da Corte no que diz respeito ao conceito de processo eleitoral, “que visa receber e transmitir a vontade do povo”. O ministro sustentou que o processo eleitoral se divide em três fases. A fase pré-eleitoral, que vai desde o registro, a escolha e a apresentação das candidaturas até a realização da propaganda eleitoral. A fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação. E a fase pós-eleitoral, que se inicia com a apuração e contagem de votos e finaliza com a diplomação dos candidatos.

O ministro ressaltou que a regra do artigo 16 tem como objetivo impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações nele inseridas de forma casuística e que interfiram na igualdade de participação dos partidos políticos e seus candidatos. E que a jurisprudência do Supremo passou a identificar no artigo 16 uma garantia fundamental “do cidadão eleitor, do cidadão candidato e dos partidos políticos”.

Ou seja, o prazo de um ano para que a alteração de regras eleitorais passe a valer é “garantia do cidadão, não apenas do eleitor, mas também dos candidatos e dos partidos políticos”. Segundo Mendes, o artigo 16, “segundo as premissas do próprio Supremo”, integra as cláusulas pétreas. “Não observar essa regra afronta os direitos individuais da segurança jurídica e do devido processo legal”, disse.

Gilmar Mendes citou trecho de voto do ministro aposentado Sepúlveda Pertence, para quem “a anterioridade exigida pelo artigo 16 é essencial à aspiração de segurança e de isonomia que estão subjacentes à ideia qualificada de processo, como o do devido processo legal”. Para o ministro, essa perspectiva de análise, que leva em conta a restrição de direitos e garantias fundamentais, é mais objetiva do que aquela que segue na identificação subjetiva do casuísmo da alteração eleitoral.

“A experiência, inclusive da jurisprudência do Supremo, demonstra que a identificação do casuísmo acaba por levar à distinção subjetiva entre casuísmos bons, ou não condenáveis, e casuísmos ruins, ou condenáveis, com o intuito de submeter apenas esses últimos à vedação da vigência imposta no artigo 16 da Constituição”, registrou Gilmar Mendes.

Seus colegas Dias Toffoli, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso reforçaram suas ideias e firmaram que o quadro das inelegibilidades concerne ao campo específico dos abusos casuísticos que o artigo 16 da Constituição buscou erradicar. A divisão radical sobre o conceito do processo eleitoral, como anotou o presidente Cezar Peluso, fez com que o STF vivesse um dos maiores impasses de sua história.

Caro Roriz
O recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal foi envolto em polêmica antes mesmo de chegar ao Supremo Tribunal Federal. Depois do julgamento do TSE, os advogados do político entraram com reclamação na Corte Suprema afirmando que o descumprimento de prazos pelo tribunal eleitoral estava atrasando o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Os advogados Alberto Pavie Ribeiro, Emiliano Alves Aguiar e Pedro Gordilho, sustentavam que havia um “atraso injustificável” do tribunal eleitoral em cumprir os trâmites necessários para que o recurso de Francisco das Chagas, candidato a deputado estadual no Ceará e primeiro barrado pelo TSE, fosse remetido ao Supremo.

Na ocasião, a presidência do TSE afirmou que “diante da relevância e da complexidade do tema, e também da inexistência de precedentes específicos sobre a LC 135/10”, o recurso estava sendo analisado cuidadosamente. O atraso fez com que caso Roriz, de maior apelo popular, fosse discutido primeiro pelos ministros do STF. Depois do empate no Supremo, Roriz renunciou e colocou para concorrer em seu lugar a mulher, Weslian.

Nesta quarta-feira, os ânimos no Supremo devem se acirrar novamente no julgamento que decidirá se é possível ou não usar a base das discussões sobre o caso Roriz. Há expectativas sobre se os ministros discutirão também uma saída para o impasse. Os olhos se voltam para a ministra Ellen Gracie. Ela é a integrante do colegiado que se envolveu de forma menos apaixonada com o assunto. No julgamento em que o Supremo derrubou a verticalização, ela sustentara a inconstitucionalidade de lei eleitoral vigorar no mesmo ano de sua edição. Embora tenha decidido diferentemente agora, é a única que pode ceder no sentido de permitir o voto de desempate para o presidente, o que decidiria a questão imediatamente.

Por Rodrigo Haidar em www.conjur.com.br

sábado, 11 de setembro de 2010

Informativo 598, STF - PRIMEIRA TURMA Apelação: Efeito Devolutivo e "Reformatio In Pejus"


A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia fosse aplicada a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 em seu grau máximo, bem como substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A defesa sustentava que teria havido reformatio in pejus, uma vez que a sentença de 1º grau considerara a consumação do delito para fins de incidência da causa de diminuição em seu patamar mínimo, ao passo que, no julgamento da apelação, a justificativa para o uso da fração mínima teria sido modificada ante a constatação da significativa quantidade de droga apreendida. Primeiramente, aduziu-se que teriam sido apontados elementos concretos a justificar a aplicabilidade da causa de diminuição em seu grau mínimo, tanto no 1º quanto no 2º grau e que, apesar de o órgão de 2ª instância ter mantido a referida causa de diminuição com fundamentos diversos dos utilizados pelo juízo de 1º grau, o efeito devolutivo do recurso de apelação — ainda que exclusivo da defesa — autorizaria a revisão dos critérios de individualização definidos na sentença penal condenatória, limitada tão-somente pelo teor da acusação e pela prova produzida. Ademais, reputou-se não haver falar em reformatio in pejus, uma vez que o quantum da causa de diminuição e da pena total teria sido mantido na apelação. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem para implementar a causa de diminuição em seu grau máximo, por entender que seus requisitos estariam satisfeitos na espécie. HC 101917/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 31.8.2010. (HC-101917)
Considerações:
Presenciei alguns julgados na Segunda Câmara Criminal do TJMA, em que se levantou a discussão se o Tribunal, em constatando que a fixação da pena acima do mínimo legal aplicada pelo juiz de base, em uma sentença carecedora de fundamentação quanto ao aumento, mas que presentes os requisitos autorizadores para sua majoração nos autos, poderia,  em sede de recurso exclusivo da defesa, suprir a omissão, fundamentando a elevação pelo elementos colhidos e presentes nos autos, logicamente, respeitando a pena total imposta inicialmente.
Acredito que no julgado acima, a Primeira Turma do STF é bem clara em afirmar que configura  reformatio in pejus se o quantum da pena fixado no dispositivo for majorado em recurso da defesa, não importando se no acórdão a fundamentação é outra.

Informativo 598, STF - Propaganda Eleitoral no Rádio e na Televisão: Humor e Liberdade de Imprensa


O Tribunal, por maioria, referendou liminar concedida pelo Min. Ayres Britto em ação direta de inconstitucionalidade, da qual relator, para suspender as normas do inciso II e da segunda parte do inciso III, ambos do art. 45, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, todos da Lei 9.504/97.
No caso, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT alegava que os dispositivos questionados não estariam em harmonia com o sistema constitucional das liberdades de expressão e de imprensa e do direito à informação, em ofensa aos artigos 5º, IV, IX e XIV, e 220, todos da CF.
Acrescentou-se que, embora os incisos questionados estivessem em vigor há alguns anos, a dinâmica da vida não imporia aí a existência de um tipo de "usucapião da legalidade", no sentido de que, se a lei ficasse em vigor por muito tempo, tornar-se-ia constitucional. Destacou-se, no ponto, posicionamento sumulado do STF segundo o qual é insuscetível de prescrição a pretensão de inconstitucionalidade.
Fundamentou-se, ainda, que o humor poderia ser considerado imprensa, sendo aplicáveis, à espécie, as diretrizes firmadas no julgamento da ADPF 130/DF (republicada no DJE de 26.2.2010), relativamente à liberdade de imprensa; a liberdade de informação jornalística, não seria uma bolha normativa, uma fórmula prescritiva oca, porquanto possuiria conteúdo, sendo este formado pelo rol de liberdades contidas no art. 5º da CF; art. 220 da CF seria uma extensão dos direitos fundamentais do referido art. 5º, de modo a reforçar esses sobredireitos; durante o período eleitoral, a liberdade de imprensa deveria ser maior, haja vista ser o momento em que o cidadão mais precisa de plenitude de informação e desta com qualidade.
Acentuou-se, ademais, que a dignidade da pessoa humana já estaria tutelada pelo Código Penal, que criminaliza as ofensas à honra caracterizadoras de calúnia, de injúria e de difamação, e pelo Código Eleitoral.
Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que, nos termos do pedido sucessivo da inicial, deferiam a liminar, declarando a inconstitucionalidade parcial das normas impugnadas mediante interpretação conforme para afastar do ordenamento jurídico: a) "interpretação do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/97 que conduza à conclusão de que as emissoras de rádio e televisão estariam impedidas de produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam candidatos, partidos ou coligações" e b) "interpretação do inciso III do art. 45 da Lei 9.504/97 que conduza à conclusão de que as empresas de rádio e televisão estariam proibidas de realizar a crítica jornalística, favorável ou contrária, a candidatos, partidos, coligações, seus órgãos ou representantes, inclusive em seus editoriais".

terça-feira, 7 de setembro de 2010

STF declara inconstitucionais dispositivos da lei de drogas que impedem pena alternativa

Por seis votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 01/09/2010 que são inconstitucionais dispositivos da Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06) que proíbem expressamente a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (também conhecida como pena alternativa) para condenados por tráfico de drogas. A determinação da Corte limita-se a remover o óbice legal, ficando a cargo do Juízo das execuções criminais o exame dos requisitos necessários para conversão da pena.
A decisão foi tomada em um Habeas Corpus (HC 97256) e, portanto, vale somente para o processo julgado nesta tarde. Mas o mesmo entendimento poderá ser aplicado a outros processos que cheguem à Corte sobre a mesma matéria.
O habeas foi impetrado pela Defensoria Pública da União em defesa de um condenado a um ano e oito meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, flagrado com 13,4 gramas de cocaína. Os ministros decidiram que caberá ao juiz da causa analisar se o condenado preenche ou não os requisitos para ter sua pena privativa de liberdade convertida em uma sanção restritiva de direito.
A análise do habeas começou no dia 18 de março, quando o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela inconstitucionalidade da regra, contida no parágrafo 4º do artigo 33 e no artigo 44 da Nova Lei de Tóxicos. O julgamento foi suspenso em seguida, por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.
Na semana passada, o julgamento foi retomado. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso se alinharam ao relator. Já os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ellen Gracie e Marco Aurélio formaram a divergência.  O julgamento foi suspenso para se aguardar voto do ministro Celso de Mello.(detalhes no post anterior)
Celso de Mello reafirmou seu posicionamento, externado em diversas ocasiões em julgamentos realizados na Segunda Turma do STF, sobre a inconstitucionalidade da cláusula legal que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
“Vislumbro, nessa situação, um abuso do poder de legislar por parte do Congresso Nacional que, na verdade, culmina por substituir-se ao próprio magistrado no desempenho da atividade jurisdicional”, disse. “Nesse ponto [da Nova Lei de Tóxicos], entendo que a regra conflita materialmente com o texto da Constituição”, reiterou.
Divergência
A corrente contrária – formada após divergência aberta pelo ministro Joaquim Barbosa – considera que o Congresso Nacional pode impor sanções penais que julgar necessárias para enfrentar problemas que afetam o país, desde que observem os limites legais e constitucionais, levando em consideração os interesses da sociedade.

fonte: www.stf.jus.br

sábado, 4 de setembro de 2010

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos

O STF retomou julgamento do habeas corpus nº 97256/ RS, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º) questiona a constitucionalidade da vedação abstrata da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos disposta no art. 44 da citada Lei de Drogas ("Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos."). Sustenta a impetração que a proibição, nas hipóteses de tráfico de entorpecentes, da substituição pretendida ofende as garantias da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), bem como aquelas constantes dos incisos XXXV e LIV do mesmo preceito constitucional — v. Informativos 560 e 579. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, iniciou a divergência e denegou o writ por considerar que a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes de tráfico de drogas estaria de acordo com a Constituição e com a realidade social brasileira, não prejudicando a individualização justa, equânime e adequada da pena cabível nesses crimes, de acordo com o caso concreto.
Asseverou que, no ordenamento pátrio, a substituição da pena não caberia em qualquer crime, sendo esta vedada em várias situações (CP, art. 44). Salientou que o Código Penal, ao versar sobre a substituição da pena, fixara as diretrizes a serem observadas pelo juiz no momento de sua aplicação. Consignou, ademais, que o instituto em apreço não derivaria diretamente da garantia constitucional da individualização da pena, haja vista que o ordenamento não outorgaria ao juiz a liberdade ampla da analisar se a substituição seria possível em toda e qualquer situação concreta. Reputou que a garantia da individualização da pena somente seria violada se o legislador estivesse impedido por completo de realizar a individualização judicial nos crimes hediondos em pelo menos um de seus dois momentos: o da aplicação da pena prevista na lei pelo juiz sentenciante e o da execução e cumprimento da reprimenda pelo condenado. Assinalou, nesse sentido, que a proibição legal da substituição da pena no delito de tráfico, referir-se-ia apenas a uma diminuição da esfera de atuação judicial na cominação da reprimenda e que não se extinguiria a possibilidade de individualização judicial na fase de sua aplicação. Aduziu que o legislador teria legitimidade para estabelecer limites mínimos e máximos à atuação judicial, na imposição da pena em concreto, e que, por tal motivo, a lei penal poderia impor tanto as penas previstas no art. 5º, XLVI, da CF — tais como, penas privativas de liberdade e restritivas de direitos — quanto outras ali não abarcadas, à exceção das penas constitucionalmente proscritas (art. 5º, XLVII). Concluiu que a garantia da individualização da pena não constituiria impedimento a outras vedações legais e que, se abstraída em demasia, culminaria em situação na qual o legislador não poderia instituir pena alguma, competindo ao juiz individualizar a sanção penal de acordo com o seu julgamento no caso concreto dentre aquelas estabelecidas exclusivamente na Constituição.
Após os votos dos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, que acompanhavam o Min. Ayres Britto, relator, no sentido de conceder parcialmente a ordem e declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", contida no também aludido art. 44 do mesmo diploma legal, e dos votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio, que seguiam a divergência, o julgamento foi suspenso a fim de se colher o voto do Min. Celso de Mello. Por derradeiro, concedeu-se medida cautelar em favor do paciente para que ele aguarde em liberdade a conclusão deste julgamento. (informativo 597)
Resta agora saber se a decisão proferida em sede de controle difuso no HC 97256/ RS pelo STF ganhará efeitos do controle abstrato, tal qual alguns ministros conferiram à decisão no HC 82959/SP, onde se declarou inconstitucional a progressão de regime nos crimes hediondos por violação ao princípio da individualização da pena.
Como nesta decisão, o STF não bateu o martelo sobre os efeitos, estando pendente de julgamento a Reclamação nº 4335/AC e a legislação já foi até alterada, fiquemos no aguardo se no caso da vedação à substituição da pena privativa de liberdade no crime de tráfico de entorpecentes se confirmará a tendência de abstrativização do controle difuso.