sábado, 25 de setembro de 2010

Impasse constitucional: conceito de processo eleitoral rachou o Supremo

O Supremo Tribunal Federal deverá se debruçar novamente, na próxima quarta-feira (29/9), sobre o recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC). Ele recorreu contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que indeferiu o registro de sua candidatura. Desta vez, os ministros julgarão a desistência do recurso feita nesta sexta-feira (24/9) pelo advogado do político, Alberto Pavie Ribeiro.

A discussão de 11 horas sobre o caso do ex-candidato na quinta-feira, contudo, não foi em vão. Ministros afirmam que por se tratar de recurso no qual foi reconhecida a repercussão geral por unanimidade, o teor dos votos pode ser utilizado em outro processo que conteste a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10). Com a desistência de Roriz de concorrer ao governo do DF, o recurso perde o objeto. Mas os casos nos quais há repercussão geral ultrapassam o interesse das partes. Por isso é que se podem usar os fundamentos em outra ação.

O Supremo tem um precedente sobre desistência em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. No Recurso Extraordinário 572.499, cuja relatora foi a ministra Cármen Lúcia, decidido em março deste ano, o tribunal julgou prejudicado o recurso em razão de desistência porque havia na Corte outros casos que discutiam a mesma tese. Há no Supremo outros recursos que questionam a eficácia da Lei da Ficha Limpa.

Em todos os casos os advogados alegam, preliminarmente, que a lei feriu o artigo 16 da Constituição Federal, que fixa o chamado princípio da anterioridade, segundo o qual qualquer lei que influa nas eleições tem de esperar o prazo de carência de um ano a partir da data de sua publicação para ser aplicada.

O artigo 16 diz o seguinte: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. O racha entre os ministros, que impediu o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de proclamar o resultado do julgamento, se deu exatamente pelas diferenças entre o conceito do que é processo eleitoral.

A Lei Complementar 135 foi publicada em 7 de junho deste ano. Assim, só poderia valer de fato a partir de 7 de junho de 2011. Na prática, só se aplicaria aos candidatos a partir das eleições municipais de 2012. Esse é o entendimento dos ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.

Os outros cinco ministros — Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie — entendem que sua aplicação é imediata porque novas hipóteses de inelegibilidade não alteram o processo eleitoral. Logo, não teriam de cumprir o prazo de carência de um ano previsto na Constituição Federal.

Sobre este ponto é que se deu o impasse. Para os ministros que defendem a aplicação imediata da lei, só tem poder de interferir no processo eleitoral uma regra que desequilibra ou deforma a disputa. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata.

Para os que sustentam que a lei deve obedecer ao prazo fixado no artigo 16 da Constituição Federal, não ha interferência maior no processo eleitoral do que estabelecer novas regras que criem restrições para que um cidadão se candidate. “Ninguém em sã consciência pode afirmar que a Lei Complementar 135 não altera o processo eleitoral”, afirmou, nos diversos julgamentos sobre o tema dos quais participou até agora, o ministro Marco Aurélio.

Os ministros discordaram até de quando se inicia o processo eleitoral. Para a maior parte do time pró aplicação imediata da lei, o processo se inicia com as convenções partidárias, que pela Lei Eleitoral devem ser realizadas entre 10 e 30 de junho, e com os registros de candidatura, que devem ser feitos até as 19h do dia 5 de julho.

Para a outra metade do Supremo, o processo eleitoral começa um ano antes das eleições, com o fim do prazo para as filiações partidárias. Se para concorrer o candidato tem de estar filiado ao partido um ano antes das eleições, é nesta data que começa o processo rumo ao próximo pleito. Para a advogada Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro, essa é a tese que deveria prevalecer.

“O marco inicial do processo eleitoral deve ser considerado o prazo final para a filiação partidária, que ocorre um ano antes das eleições”, afirma Maria Cláudia. Para a advogada, é necessário evitar que alterações nas regras do jogo valham depois disso. “Imagine se uma lei fixar, depois do prazo de filiação partidária, que para concorrer os cidadãos têm de estar inscritos nos partidos há pelo menos um ano e meio, em vez de um ano. Não há alteração no processo eleitoral?", questiona.

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, pouco importa quando vem a lei, se ela gera qualquer perturbação das eleições, tem de se submeter à carência constitucional de um ano.

Batalha jurisprudencial
Os votos de todos os ministros da Corte fizeram referência a um precedente específico: o julgamento do RE 129.392, julgado em 17 de junho de 1992. Na ocasião, o Supremo decidiu, por seis votos a cinco, que a Lei Complementar 64, sancionada em 13 de maio de 1990 e que trazia novas regras de inelegibilidade, tinha aplicação imediata porque não alterava o processo eleitoral.

Naquele julgamento, o entendimento da maioria dos ministros foi o de que a lei trazia uma complementação exigida pelo parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição, que fixava que lei complementar estabeleceria novas hipóteses de inelegibilidade. Assim, um artigo da Constituição (o artigo 16) não poderia ser aplicado para negar aplicação a outros artigos da própria Constituição.

Na última quinta-feira (23/9), a ministra Cármen Lúcia citou o voto do ministro Moreira Alves na ocasião, para quem o artigo 16 da Constituição visava apenas proteger o chamado casuísmo de véspera, ou seja, mudança legislativa destinada a favorecer a própria classe política. Mesmo que alterasse a lei eleitoral, a aplicabilidade deveria ser analisada e ponderada pelas suas finalidades, e não apenas pelo tempo de vigência.

Em maior ou menor grau, todos os ministros que votaram a favor da aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa votaram neste sentido. Também foram unânimes em sustentar que a Lei Complementar 135/10 tem índole constitucional e não se comporta no simples âmbito do processo eleitoral porque veio preencher lacuna por determinação da própria Constituição Federal.

Os ministros também entendem que a lei foi publicada “bem antes” do prazo final para o registro das candidaturas. Por isso, os que se inscreveram já tinham ciência das restrições impostas pela nova norma. É ainda opinião comum do time da aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa que a lei deve ser julgada a partir de suas finalidades éticas, e não apenas por uma questão da data de sua aprovação.

O ministro Joaquim Barbosa, por exemplo, afirmou que o artigo 16 da Constituição tem o objetivo de “inibir manobras casuísticas, suscetíveis de interferir abruptamente na organização, no decorrer e no resultado dos pleitos eleitorais”. Para Barbosa, esse não é o espírito da Lei da Ficha Limpa.

Mas para os ministros que votaram contra a aplicação imediata da lei, a interpretação de seus colegas sobre o conceito de processo eleitoral e a carência de um ano imposta pelo artigo 16 da Constituição está errada. Ao analisar o mesmo precedente do julgamento da Lei Complementar 64/90, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a conclusão a que seus colegas chegaram “é equivocada”.

De acordo com Gilmar Mendes, a Lei Complementar 64/90 instaurava um novo sistema normativo de inelegibilidades. O Supremo, então, decidiu que a norma não receberia a incidência do artigo 16 da Constituição “porque vinha de um mandamento constitucional inaugural”, Ou seja, preenchia lacunas em um sistema instituído pela nova ordem constitucional de 1988.

“A Lei Complementar 64 viria cumprir um mandamento constitucional e preencher um vazio. Daí a dispensa da anterioridade, para permitir a moralização e a lisura do processo eleitoral então em curso”, afirmou Mendes. Segundo o ministro, negar eficácia à lei naquela ocasião deixaria uma lacuna que não era permitida pela própria Constituição.

O quadro em relação à Lei da Ficha Limpa é completamente diferente. Já existia um sistema de inelegibilidades vigente há 20 anos, a partir do qual todos os candidatos se guiavam. Por isso é que a nova norma deveria respeitar o prazo de um ano para gerar eficácia. “Antes não se tratava de uma reforma ao texto. Agora há essa reforma”, sustentou Gilmar Mendes. A reforma consiste em alterar as regras do jogo. E para isso é necessário esperar um ano, por uma questão de segurança jurídica. “Não se pode utilizar esse precedente como norte”, afirmou Mendes.

De acordo com o advogado eleitoral Rodrigo Lago, o próprio Supremo, em outros precedentes, já admitiu que a Lei Complementar 64 contemplava a nova redação constitucional que mandava considerar a vida pregressa dos candidatos para fins de inelegibilidade. Assim, a Lei da Ficha Limpa apenas ampliou a proteção já existente. Por isso, "o comando do artigo 16 da Constituição tem plena aplicação em relação às novas regras, que não podem ser aplicadas em 2010".

Gilmar Mendes também fez um arrazoado sobre a jurisprudência da Corte no que diz respeito ao conceito de processo eleitoral, “que visa receber e transmitir a vontade do povo”. O ministro sustentou que o processo eleitoral se divide em três fases. A fase pré-eleitoral, que vai desde o registro, a escolha e a apresentação das candidaturas até a realização da propaganda eleitoral. A fase eleitoral propriamente dita, que compreende o início, a realização e o encerramento da votação. E a fase pós-eleitoral, que se inicia com a apuração e contagem de votos e finaliza com a diplomação dos candidatos.

O ministro ressaltou que a regra do artigo 16 tem como objetivo impedir a deformação do processo eleitoral mediante alterações nele inseridas de forma casuística e que interfiram na igualdade de participação dos partidos políticos e seus candidatos. E que a jurisprudência do Supremo passou a identificar no artigo 16 uma garantia fundamental “do cidadão eleitor, do cidadão candidato e dos partidos políticos”.

Ou seja, o prazo de um ano para que a alteração de regras eleitorais passe a valer é “garantia do cidadão, não apenas do eleitor, mas também dos candidatos e dos partidos políticos”. Segundo Mendes, o artigo 16, “segundo as premissas do próprio Supremo”, integra as cláusulas pétreas. “Não observar essa regra afronta os direitos individuais da segurança jurídica e do devido processo legal”, disse.

Gilmar Mendes citou trecho de voto do ministro aposentado Sepúlveda Pertence, para quem “a anterioridade exigida pelo artigo 16 é essencial à aspiração de segurança e de isonomia que estão subjacentes à ideia qualificada de processo, como o do devido processo legal”. Para o ministro, essa perspectiva de análise, que leva em conta a restrição de direitos e garantias fundamentais, é mais objetiva do que aquela que segue na identificação subjetiva do casuísmo da alteração eleitoral.

“A experiência, inclusive da jurisprudência do Supremo, demonstra que a identificação do casuísmo acaba por levar à distinção subjetiva entre casuísmos bons, ou não condenáveis, e casuísmos ruins, ou condenáveis, com o intuito de submeter apenas esses últimos à vedação da vigência imposta no artigo 16 da Constituição”, registrou Gilmar Mendes.

Seus colegas Dias Toffoli, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso reforçaram suas ideias e firmaram que o quadro das inelegibilidades concerne ao campo específico dos abusos casuísticos que o artigo 16 da Constituição buscou erradicar. A divisão radical sobre o conceito do processo eleitoral, como anotou o presidente Cezar Peluso, fez com que o STF vivesse um dos maiores impasses de sua história.

Caro Roriz
O recurso do ex-candidato ao governo do Distrito Federal foi envolto em polêmica antes mesmo de chegar ao Supremo Tribunal Federal. Depois do julgamento do TSE, os advogados do político entraram com reclamação na Corte Suprema afirmando que o descumprimento de prazos pelo tribunal eleitoral estava atrasando o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.

Os advogados Alberto Pavie Ribeiro, Emiliano Alves Aguiar e Pedro Gordilho, sustentavam que havia um “atraso injustificável” do tribunal eleitoral em cumprir os trâmites necessários para que o recurso de Francisco das Chagas, candidato a deputado estadual no Ceará e primeiro barrado pelo TSE, fosse remetido ao Supremo.

Na ocasião, a presidência do TSE afirmou que “diante da relevância e da complexidade do tema, e também da inexistência de precedentes específicos sobre a LC 135/10”, o recurso estava sendo analisado cuidadosamente. O atraso fez com que caso Roriz, de maior apelo popular, fosse discutido primeiro pelos ministros do STF. Depois do empate no Supremo, Roriz renunciou e colocou para concorrer em seu lugar a mulher, Weslian.

Nesta quarta-feira, os ânimos no Supremo devem se acirrar novamente no julgamento que decidirá se é possível ou não usar a base das discussões sobre o caso Roriz. Há expectativas sobre se os ministros discutirão também uma saída para o impasse. Os olhos se voltam para a ministra Ellen Gracie. Ela é a integrante do colegiado que se envolveu de forma menos apaixonada com o assunto. No julgamento em que o Supremo derrubou a verticalização, ela sustentara a inconstitucionalidade de lei eleitoral vigorar no mesmo ano de sua edição. Embora tenha decidido diferentemente agora, é a única que pode ceder no sentido de permitir o voto de desempate para o presidente, o que decidiria a questão imediatamente.

Por Rodrigo Haidar em www.conjur.com.br

sábado, 11 de setembro de 2010

Informativo 598, STF - PRIMEIRA TURMA Apelação: Efeito Devolutivo e "Reformatio In Pejus"


A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia fosse aplicada a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 em seu grau máximo, bem como substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A defesa sustentava que teria havido reformatio in pejus, uma vez que a sentença de 1º grau considerara a consumação do delito para fins de incidência da causa de diminuição em seu patamar mínimo, ao passo que, no julgamento da apelação, a justificativa para o uso da fração mínima teria sido modificada ante a constatação da significativa quantidade de droga apreendida. Primeiramente, aduziu-se que teriam sido apontados elementos concretos a justificar a aplicabilidade da causa de diminuição em seu grau mínimo, tanto no 1º quanto no 2º grau e que, apesar de o órgão de 2ª instância ter mantido a referida causa de diminuição com fundamentos diversos dos utilizados pelo juízo de 1º grau, o efeito devolutivo do recurso de apelação — ainda que exclusivo da defesa — autorizaria a revisão dos critérios de individualização definidos na sentença penal condenatória, limitada tão-somente pelo teor da acusação e pela prova produzida. Ademais, reputou-se não haver falar em reformatio in pejus, uma vez que o quantum da causa de diminuição e da pena total teria sido mantido na apelação. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem para implementar a causa de diminuição em seu grau máximo, por entender que seus requisitos estariam satisfeitos na espécie. HC 101917/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 31.8.2010. (HC-101917)
Considerações:
Presenciei alguns julgados na Segunda Câmara Criminal do TJMA, em que se levantou a discussão se o Tribunal, em constatando que a fixação da pena acima do mínimo legal aplicada pelo juiz de base, em uma sentença carecedora de fundamentação quanto ao aumento, mas que presentes os requisitos autorizadores para sua majoração nos autos, poderia,  em sede de recurso exclusivo da defesa, suprir a omissão, fundamentando a elevação pelo elementos colhidos e presentes nos autos, logicamente, respeitando a pena total imposta inicialmente.
Acredito que no julgado acima, a Primeira Turma do STF é bem clara em afirmar que configura  reformatio in pejus se o quantum da pena fixado no dispositivo for majorado em recurso da defesa, não importando se no acórdão a fundamentação é outra.

Informativo 598, STF - Propaganda Eleitoral no Rádio e na Televisão: Humor e Liberdade de Imprensa


O Tribunal, por maioria, referendou liminar concedida pelo Min. Ayres Britto em ação direta de inconstitucionalidade, da qual relator, para suspender as normas do inciso II e da segunda parte do inciso III, ambos do art. 45, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, todos da Lei 9.504/97.
No caso, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - ABERT alegava que os dispositivos questionados não estariam em harmonia com o sistema constitucional das liberdades de expressão e de imprensa e do direito à informação, em ofensa aos artigos 5º, IV, IX e XIV, e 220, todos da CF.
Acrescentou-se que, embora os incisos questionados estivessem em vigor há alguns anos, a dinâmica da vida não imporia aí a existência de um tipo de "usucapião da legalidade", no sentido de que, se a lei ficasse em vigor por muito tempo, tornar-se-ia constitucional. Destacou-se, no ponto, posicionamento sumulado do STF segundo o qual é insuscetível de prescrição a pretensão de inconstitucionalidade.
Fundamentou-se, ainda, que o humor poderia ser considerado imprensa, sendo aplicáveis, à espécie, as diretrizes firmadas no julgamento da ADPF 130/DF (republicada no DJE de 26.2.2010), relativamente à liberdade de imprensa; a liberdade de informação jornalística, não seria uma bolha normativa, uma fórmula prescritiva oca, porquanto possuiria conteúdo, sendo este formado pelo rol de liberdades contidas no art. 5º da CF; art. 220 da CF seria uma extensão dos direitos fundamentais do referido art. 5º, de modo a reforçar esses sobredireitos; durante o período eleitoral, a liberdade de imprensa deveria ser maior, haja vista ser o momento em que o cidadão mais precisa de plenitude de informação e desta com qualidade.
Acentuou-se, ademais, que a dignidade da pessoa humana já estaria tutelada pelo Código Penal, que criminaliza as ofensas à honra caracterizadoras de calúnia, de injúria e de difamação, e pelo Código Eleitoral.
Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que, nos termos do pedido sucessivo da inicial, deferiam a liminar, declarando a inconstitucionalidade parcial das normas impugnadas mediante interpretação conforme para afastar do ordenamento jurídico: a) "interpretação do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/97 que conduza à conclusão de que as emissoras de rádio e televisão estariam impedidas de produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam candidatos, partidos ou coligações" e b) "interpretação do inciso III do art. 45 da Lei 9.504/97 que conduza à conclusão de que as empresas de rádio e televisão estariam proibidas de realizar a crítica jornalística, favorável ou contrária, a candidatos, partidos, coligações, seus órgãos ou representantes, inclusive em seus editoriais".

terça-feira, 7 de setembro de 2010

STF declara inconstitucionais dispositivos da lei de drogas que impedem pena alternativa

Por seis votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 01/09/2010 que são inconstitucionais dispositivos da Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06) que proíbem expressamente a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (também conhecida como pena alternativa) para condenados por tráfico de drogas. A determinação da Corte limita-se a remover o óbice legal, ficando a cargo do Juízo das execuções criminais o exame dos requisitos necessários para conversão da pena.
A decisão foi tomada em um Habeas Corpus (HC 97256) e, portanto, vale somente para o processo julgado nesta tarde. Mas o mesmo entendimento poderá ser aplicado a outros processos que cheguem à Corte sobre a mesma matéria.
O habeas foi impetrado pela Defensoria Pública da União em defesa de um condenado a um ano e oito meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, flagrado com 13,4 gramas de cocaína. Os ministros decidiram que caberá ao juiz da causa analisar se o condenado preenche ou não os requisitos para ter sua pena privativa de liberdade convertida em uma sanção restritiva de direito.
A análise do habeas começou no dia 18 de março, quando o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela inconstitucionalidade da regra, contida no parágrafo 4º do artigo 33 e no artigo 44 da Nova Lei de Tóxicos. O julgamento foi suspenso em seguida, por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.
Na semana passada, o julgamento foi retomado. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso se alinharam ao relator. Já os ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ellen Gracie e Marco Aurélio formaram a divergência.  O julgamento foi suspenso para se aguardar voto do ministro Celso de Mello.(detalhes no post anterior)
Celso de Mello reafirmou seu posicionamento, externado em diversas ocasiões em julgamentos realizados na Segunda Turma do STF, sobre a inconstitucionalidade da cláusula legal que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
“Vislumbro, nessa situação, um abuso do poder de legislar por parte do Congresso Nacional que, na verdade, culmina por substituir-se ao próprio magistrado no desempenho da atividade jurisdicional”, disse. “Nesse ponto [da Nova Lei de Tóxicos], entendo que a regra conflita materialmente com o texto da Constituição”, reiterou.
Divergência
A corrente contrária – formada após divergência aberta pelo ministro Joaquim Barbosa – considera que o Congresso Nacional pode impor sanções penais que julgar necessárias para enfrentar problemas que afetam o país, desde que observem os limites legais e constitucionais, levando em consideração os interesses da sociedade.

fonte: www.stf.jus.br

sábado, 4 de setembro de 2010

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos

O STF retomou julgamento do habeas corpus nº 97256/ RS, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º) questiona a constitucionalidade da vedação abstrata da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos disposta no art. 44 da citada Lei de Drogas ("Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos."). Sustenta a impetração que a proibição, nas hipóteses de tráfico de entorpecentes, da substituição pretendida ofende as garantias da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), bem como aquelas constantes dos incisos XXXV e LIV do mesmo preceito constitucional — v. Informativos 560 e 579. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, iniciou a divergência e denegou o writ por considerar que a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes de tráfico de drogas estaria de acordo com a Constituição e com a realidade social brasileira, não prejudicando a individualização justa, equânime e adequada da pena cabível nesses crimes, de acordo com o caso concreto.
Asseverou que, no ordenamento pátrio, a substituição da pena não caberia em qualquer crime, sendo esta vedada em várias situações (CP, art. 44). Salientou que o Código Penal, ao versar sobre a substituição da pena, fixara as diretrizes a serem observadas pelo juiz no momento de sua aplicação. Consignou, ademais, que o instituto em apreço não derivaria diretamente da garantia constitucional da individualização da pena, haja vista que o ordenamento não outorgaria ao juiz a liberdade ampla da analisar se a substituição seria possível em toda e qualquer situação concreta. Reputou que a garantia da individualização da pena somente seria violada se o legislador estivesse impedido por completo de realizar a individualização judicial nos crimes hediondos em pelo menos um de seus dois momentos: o da aplicação da pena prevista na lei pelo juiz sentenciante e o da execução e cumprimento da reprimenda pelo condenado. Assinalou, nesse sentido, que a proibição legal da substituição da pena no delito de tráfico, referir-se-ia apenas a uma diminuição da esfera de atuação judicial na cominação da reprimenda e que não se extinguiria a possibilidade de individualização judicial na fase de sua aplicação. Aduziu que o legislador teria legitimidade para estabelecer limites mínimos e máximos à atuação judicial, na imposição da pena em concreto, e que, por tal motivo, a lei penal poderia impor tanto as penas previstas no art. 5º, XLVI, da CF — tais como, penas privativas de liberdade e restritivas de direitos — quanto outras ali não abarcadas, à exceção das penas constitucionalmente proscritas (art. 5º, XLVII). Concluiu que a garantia da individualização da pena não constituiria impedimento a outras vedações legais e que, se abstraída em demasia, culminaria em situação na qual o legislador não poderia instituir pena alguma, competindo ao juiz individualizar a sanção penal de acordo com o seu julgamento no caso concreto dentre aquelas estabelecidas exclusivamente na Constituição.
Após os votos dos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, que acompanhavam o Min. Ayres Britto, relator, no sentido de conceder parcialmente a ordem e declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", contida no também aludido art. 44 do mesmo diploma legal, e dos votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio, que seguiam a divergência, o julgamento foi suspenso a fim de se colher o voto do Min. Celso de Mello. Por derradeiro, concedeu-se medida cautelar em favor do paciente para que ele aguarde em liberdade a conclusão deste julgamento. (informativo 597)
Resta agora saber se a decisão proferida em sede de controle difuso no HC 97256/ RS pelo STF ganhará efeitos do controle abstrato, tal qual alguns ministros conferiram à decisão no HC 82959/SP, onde se declarou inconstitucional a progressão de regime nos crimes hediondos por violação ao princípio da individualização da pena.
Como nesta decisão, o STF não bateu o martelo sobre os efeitos, estando pendente de julgamento a Reclamação nº 4335/AC e a legislação já foi até alterada, fiquemos no aguardo se no caso da vedação à substituição da pena privativa de liberdade no crime de tráfico de entorpecentes se confirmará a tendência de abstrativização do controle difuso.


domingo, 22 de agosto de 2010

Com TPI, países preferem o Direito à força

Por Aline Pinheiro

A juíza criminalista Sylvia Steiner encontrou na pequena cidade de Haia, na Holanda, a oportunidade de aplicar aquilo que havia estudado e se especializado, mas jamais praticado: o Direito Internacional. Foi no Tribunal Penal Internacional, onde está há mais de sete anos, que ela pôde conciliar a experiência como juíza criminal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, com os estudos na USP sobre Direito Internacional, a disciplina de seu mestrado. Nesta sétima e última reportagem da série Capital Jurídica, que a Consultor Jurídico publica esta semana, Sylvia abre as portas do seu gabinete no TPI e conta um pouco o que pensa sobre Justiça internacional.
O TPI, única corte criminal internacional permanente, está prestes a dar a sua primeira decisão. Em setembro, um dos acusados por crimes contra a humanidade no Congo vai saber qual é o seu destino. Sylvia, que está no tribunal desde que este abriu as suas portas, acredita que o início das sentenças é o passo que falta para o tribunal cair nas graças da população. “A parte que antecede a sentença é desconhecida e dá a impressão de que não estamos fazendo nada”, diz.
Mesmo assim, a corte vem, ao longo dos anos, ganhando aceitação dentro dos países. Sylvia, que acompanhou a gestação e o nascimento do TPI, comemora. Ela se envolveu com o tribunal logo após a aprovação do Estatuto de Roma, que criou a corte. Participou das comissões para definir regras processuais, antes de ser eleita juíza pelos Estados-parte.
O tribunal sofre por não ter uma polícia própria e depender única e exclusivamente da cooperação dos governos nacionais para funcionar. Sylvia, no entanto, não acha que isso seja negativo. Ela defende a diplomacia, e não o uso da força. “Eu acredito muito mais em cooperação entre os países, que é a maneira de fortalecer o Estado de Direito dentro do cenário internacional. É preciso convencer os países que nenhum é uma ilha. Essa interação, dirigida por normas do Direito Internacional, é o caminho para o mundo ideal.”
Para a juíza, esses anos no tribunal estão sendo fonte de amadurecimento, tanto profissional como pessoal – já que lidar com a mistura de culturas no ambiente de trabalho não é das tarefas mais simples. Os mandatos dos juízes no TPI duram nove anos e não são renováveis. O de Sylvia termina no início de 2012. Ela espera ansiosa pela data quando, com o gosto na boca de missão cumprida, volta para o Brasil para exercer duas funções importantes: a de avó e alguma lidada ao sistema interamericano de Direitos Humanos.
Leia a entrevista.
ConJur – Qual a importância do Tribunal Penal Internacional?
Sylvia Steiner — É a única corte penal internacional permanente. A sua importância já começa nesse fato. É resultado de um progresso do Direito Penal Internacional, que passou pelos tribunais ad hoc, como o de Nuremberg. Se não fosse criada uma corte permanente, esse progresso não teria sentido. O TPI é resultado da evolução histórica. Ele também é importante do ponto de vista emblemático, para reforçar a ideia de que a comunidade internacional não tolera a impunidade. Um tribunal forte, embora não resolva o problema do crime, manda a mensagem de que os criminosos vão ser punidos. O TPI é uma corte independente que representa a comunidade internacional. Os juízes são eleitos de forma democrática e não têm qualquer obrigação para com seus países de origem. Não há reeleição justamente para que nenhum julgador saia pedindo votos. É uma corte imparcial e independente.
ConJur — Como é definida a competência do TPI? Ele não atropela o Judiciário do país do acusado?
Sylvia Steiner — Não. O sistema do TPI é o chamado sistema complementar. Ele só pode atuar quando o sistema nacional não atua, ou porque não quer ou porque não pode. Isso acontece em países que estão no meio de conflito armado e com instituições completamente destruídas. O TPI também só tem jurisdição sobre cidadãos que nasceram ou que cometerem crimes em Estados que ratificaram o tratado que criou a corte. A jurisdição da corte não é imposta.
ConJur — O Sudão não assinou o Estatuto de Roma, que criou a corte, mas mesmo assim o TPI está julgando sudaneses, entre eles o presidente do país. Por quê?
Sylvia Steiner — A situação do Sudão se encaixa na única exceção que permite ao tribunal julgar cidadãos de países que não fazem parte da corte. Isso é permitido quando é o Conselho de Segurança da ONU que envia o caso para o TPI julgar. Em vez de criar tribunal ad hoc para o caso do Sudão, o Conselho de Segurança preferiu mandar para o TPI. O país se encaixa na única exceção onde o princípio da nacionalidade ou da territorialidade não importa. Vale só a limitação da irretroatividade, que não muda. A corte não julga crimes cometidos antes de ela ser criada. Ou seja, nada antes de 1º de julho de 2002, quando o Estatuto de Roma entrou em vigor.
ConJur – O TPI é uma corte independente da ONU. A corte não teria mais força se fosse respaldada pelas Nações Unidas?
Sylvia Steiner — O tribunal tem com a ONU um acordo de cooperação operacional, de troca de informações, mas mantém a sua independência. Não participei da conferência de Roma, quando foi criado o TPI, mas lá se chegou à conclusão de que o tribunal tinha de ser separado da ONU. Por ser uma corte penal, não pode ter nenhum tipo de vínculo para manter a sua imparcialidade. Em termos financeiros, são os Estados-parte que mantêm o TPI.
 ConJur — O tribunal não tem uma polícia própria e depende da cooperação dos países para aplicar a Justiça. O que fazer, então, quando um país não quer colaborar, como o Sudão?
Sylvia Steiner — No caso do Sudão, comunicamos a falta de cooperação ao Conselho de Segurança da ONU. Não há muito mais o que fazer. Já os países que ratificaram o tratado assumiram obrigações para cumprir. Todo mundo ratifica um tratado com boa-fé. Eles se comprometeram a cooperar com o tribunal sempre que necessário.
ConJur — O TPI pediu inclusive para o Brasil prender Omar Al Bashir, presidente do Sudão, caso ele pise em solo brasileiro. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, ainda vai analisar se existe essa possibilidade e, na ocasião, discutirá a incorporação do Estatuto de Roma pelo Brasil. Como a senhora vê esse julgamento?
Sylvia Steiner — Eu sou internacionalista de formação, apesar de ser também penalista, e acho que, a partir do momento da ratificação, não existe mais discussão. O ato de ratificação é um ato típico de dever de soberania. A partir do momento em que o Estado, no exercício da sua soberania, ratifica um tratado e se obriga a cooperar, acabou toda a discussão sobre se isso ofende ou não a soberania. É cumprir com uma obrigação assumida em decorrência de um ato típico de soberania, que é a ratificação. O Brasil é parte do Estatuto de Roma. Então, ele tem que cooperar com o tribunal.
ConJur – A corte internacional, criada em 2002, ainda não tem nenhum caso concluído. Quando sai a primeira decisão condenando ou absolvendo alguém?
Sylvia Steiner — O primeiro caso deve terminar provavelmente em setembro, sobre um acusado de utilizar crianças como soldados para combater no Congo. Esse caso chegou ao tribunal em 2006.
ConJur — Qual a pena máxima que o TPI pode aplicar?
Sylvia Steiner — A pena máxima é de 30 anos, mas em alguns casos excepcionais, quando há uma soma de circunstâncias agravantes, pode ser aplicada a prisão perpétua. A corte não julga ninguém à revelia, mas os crimes aqui não prescrevem.
ConJur – O TPI já tem jurisprudência própria?
Sylvia Steiner — É um tribunal recém-nascido ainda, que está aos poucos formando a sua própria jurisprudência. Quando possível, usamos jurisprudência dos tribunais ad hoc [como de Ruanda e da extinta Iugoslávia]. Mas a intenção do tribunal é criar uma interpretação própria, a partir das visões diferentes que cada juiz traz do seu país. É importante que cada julgador tenha o compromisso de ser universalista. Eu não posso, por exemplo, julgar como se eu estivesse num tribunal brasileiro. Aqui, nós temos uma câmara para uniformizar entendimentos. Aos poucos, vamos definindo questões pequenas, mas que fazem toda a diferença nos processos. O primeiro caso que começamos a julgar está sendo o mais difícil porque tudo é novo. Até a decisão, que sai agora em setembro, são quatro anos. O segundo, já é um pouco mais fácil e devemos demorar três anos. Ou seja, o tempo dos processos também vai caindo.
ConJur — Onde são cumpridas as penas dos réus condenados pelo TPI?
Sylvia Steiner — O tribunal usa como prisão provisória o presídio que está aqui em Haia. Fora isso, faz convênios com os países para mandar os condenados para os presídios de lá. Estados, como Espanha e França, já  aceitaram receber os condenados pelos TPI.
ConJur — Já se discutiu o que fazer com um condenado depois que ele cumpre a pena? Ele volta para o seu país?
Sylvia Steiner — Não há nada previsto no Estatuto de Roma, mas isso deve ser uma preocupação do tribunal.
ConJur — O presidente do Iraque Sadam Hussein não deveria ter sido julgado pelo TPI?
Sylvia Steiner — Não. O Iraque nunca foi signatário do Estatuto de Roma. Além disso, a corte não pode julgar crimes que aconteceram antes da sua criação.
ConJur — O tribunal hoje tem quatro casos nas prateleiras, todos de países africanos. Por quê?
Sylvia Steiner — Não foi o tribunal que escolheu. Desses, três foram enviados pelos próprios governos: Uganda, Congo e a República Centro Africana. O do Sudão foi mandado pelo Conselho de Segurança da ONU. A primeira vez que o promotor do tribunal resolveu, ele mesmo, iniciar uma investigação foi no final do segundo semestre, no Quênia. Quando o promotor decide por conta própria investigar, ele tem que pedir autorização para uma das câmaras preliminares, Nesse caso, a autorização foi dada. O que eu vejo é que a aceitação da corte está crescendo a cada dia, mas, em contrapartida, cresce também a resistência a ela. Quando o tribunal mandou prender o presidente do Sudão, chegou-se a exigir que a União Africana fizesse uma espécie de ultimato para que o tribunal parasse de prestar atenção só nos problemas da África. Mas isso faz parte só do discurso político porque, como eu falei, foram os países africanos que mandaram os casos para o tribunal julgar.
ConJur — Em um mundo ideal, onde todos os países fossem democráticos e tivessem um Judiciário forte, haveria motivo para existir o TPI?
Sylvia Steiner — Talvez não, mas isso é mesmo um projeto de mundo ideal. Não é para as próximas gerações. Muitos países ainda, inclusive o Brasil, não são capazes de julgar todos os crimes que o TPI julga hoje. Crimes de guerra, por exemplo, não estão previstos na legislação brasileira. Se acontecerem, o país não pode julgar, tem de mandar para cá. A existência do TPI obriga os países, de certa maneira, a aprimorar a legislação penal. Isso fortalece os Estados e é o caminho para que um dia o TPI não seja mais necessário.
ConJur — O que significa o fato de potências como os Estados Unidos, China e Rússia não serem Estados-membro do TPI?
Sylvia Steiner — Como um tribunal de caráter universal, o ideal é que todos os países adiram, a começar pelas grandes potências. Mas eu diria que não enfraquece porque o TPI começou com uma legitimidade muito grande, sustentado por todos os países da América Latina, da Europa, Japão e Canadá. O que eu espero é que os países que ainda não aderiram ao tribunal um dia superem suas próprias dificuldades e venham para cá. Às vezes, o país precisa mudar a legislação interna para isso ou até mesmo compreender a função do TPI. O caso dos Estados Unidos é mais complicado porque é uma questão cultural que não pode ser mudada de um dia para outro. Vários tratados não foram assinados por eles. A corte precisa mostrar que as suas decisões são imparciais e jurídicas, e não políticas, e, assim, ganhar credibilidade. Eu não duvido que em um futuro de longo prazo todos os países sejam parte do TPI.
ConJur — O Estatuto de Roma, que criou o TPI, passou pela sua primeira revisão agora em junho. A impressão que ficou do encontro é que a corte está se firmando aos poucos, mas ainda é bastante desconhecida.
Sylvia Steiner — O Estatuto de Roma foi assinado na conferência de Roma em 1998 e entrou em vigor em 2002. É um tempo recorde. Outros tratados demoraram até 20 anos para passar a valer. O do TPI, quatro anos depois de assinado, já tinha 60 ratificações. Hoje, são 111 países. Quer dizer, em oito anos, mais do que dobrou o número de ratificações. A corte está se firmando sim e isso vai depender muito de quando começarem a sair as primeiras decisões. O que as pessoas querem ver é o resultado do julgamento. A parte que antecede a sentença é desconhecida e dá a impressão de que não estamos fazendo nada. Mas não é nada disso. Estamos trabalhando no limite das nossas capacidades já.
ConJur – É possível um Direito Internacional forte já que, diferente do Direito nacional, não tem a instituição Estado por trás sustentado o Judiciário, até mesmo com o uso da força?
Sylvia Steiner — Apesar de todas as falhas e da necessidade de mudança, já que o mundo não é mais o mesmo do pós-guerra, o sistema das Nações Unidas é um órgão de supervisão do comportamento dos Estados diante das regras de Direito Internacional. Hoje, o Direito Internacional está começando a ser levado mais a sério. Isso pode ser claramente notado dentro das universidades. Quando eu estudei, só se discutia Direito Internacional privado, isso é, questões ligadas a nacionalidade, herança, disputa de guarda de criança e casamento. Hoje, já se discute no Direito Internacional questões ligadas ao meio ambiente, à proteção de patrimônio histórico e cultural e agora crimes internacionais. O Direito Internacional na área penal é muito recente e ainda está se fortalecendo. Sobre o uso da força, eu não sou especialista, mas sinceramente não sei se dá para se imaginar uma comunidade internacional que seja única e exclusivamente baseada pelo uso da força.
ConJur — Mas, no caso do TPI, uma polícia própria, que pudesse usar a força, não tornaria a Justiça mais eficaz?
Sylvia Steiner — Não sei. Eu acredito muito mais em cooperação internacional, que é a maneira de fortalecer o Estado de Direito dentro do cenário internacional. É preciso convencer os países que nenhum mais é uma ilha. Essa interação, dirigida por normas do Direito Internacional, é o caminho para o mundo ideal. Às vezes, no entanto, o uso da força pode ser necessário. Mas, em relação ao TPI, por enquanto, eu prefiro apostar no sistema de cooperação internacional.
ConJur – Um dos objetivos da conferência de revisão do Estatuto de Roma era definir o crime de agressão para que o TPI pudesse começar a julgar acusados desse crime. A conferência terminou com uma pré-proposta, mas ainda sem alterações no estatuto. O que é o crime de agressão? Qual a dificuldade de condenar alguém por ele?
Sylvia Steiner — É mais ou menos responsabilizar criminalmente aquele que sem motivo justo mandou o seu exército atacar outro país. Normalmente, o acusado por esse crime seria o presidente do país, mas pode ser também um general ou ministro do exército. A conferência de revisão do estatuto conseguiu chegar à definição do que é o crime, o que já é um avanço muito grande, mas o problema procedimental persiste. Pela carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança é o órgão competente para declarar se houve uma situação de agressão – não o crime, porque o Conselho não fala em crime. A problemática é definir a interação entre o promotor do TPI para investigar esses casos e a atuação do Conselho de Segurança. O promotor é totalmente independente? Mas e se o Conselho diz que não houve crime? E se cada um enxerga de um jeito? Esse é o ponto delicado. É uma discussão política, mas enquanto isso não for definido, não podemos julgar ninguém pelo crime de agressão.
ConJur – O TPI mantém uma lista de advogados credenciados para atuar na corte. O réu não pode escolher um advogado que não esteja nessa lista?
Sylvia Steiner — Pode, desde que ele tenha os requisitos necessários para atuar no tribunal: 10 anos de experiência como advogado na área criminal, não ter nenhum procedimento disciplinar ou criminal contra ele e ser fluente em inglês ou francês, que são as duas línguas de trabalho do TPI. As línguas oficiais são as mesmas seis da ONU: inglês, francês, espanhol, russo, árabe e chinês. As principais decisões são traduzidas para todas elas.
ConJur – A corte julga réu de diferentes nacionalidades e que falam diferentes línguas. Isso é um problema na hora dos julgamentos?
Sylvia Steiner — São dificuldades que o TPI tem de enfrentar. Os julgamentos acontecem sempre em inglês, francês e na língua do réu. Os documentos do processo também são traduzidos para a língua do acusado, quando dá. Temos casos de réu aqui que fala um dialeto basicamente oral, ou seja, não há escrita. A barreira da língua torna tudo mais lento. Já tivemos de sair correndo atrás de alguém que pudesse traduzir dialetos e, em alguns, só encontramos tradutor direto do árabe. Então, tudo fica mais devagar. O juiz lê algo, que é traduzido simultaneamente para o árabe e só depois para o dialeto do acusado. Mantemos tradutores de altíssimo nível para garantir que pouco se perca nessa tradução.
ConJur – Qual a preocupação do TPI com as vítimas e as testemunhas dos processos?
Sylvia Steiner — Testemunhas que correm risco de morte podem requerer medida protetiva. As vítimas têm a proteção do anonimato. Junto com a sentença condenatória, vem uma sentença de reparação à vítima. Se o acusado tem bens próprios que foram confiscados, isso é usado para indenizar a vítima. Se não tem, o tribunal tem um fundo de onde saem as indenizações.

matéria capturada no site: www.conjur.com.br

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Leia voto de Lewandowski que reforça poderes do MP

Por Rodrigo Haidar

A atuação do Ministério Público para desfazer acordos tributários entre estados e empresas que considera lesivos ao patrimônio público não pode ser confundida com a defesa de interesses individuais. Quando o MP questiona Termo de Acordo de Regime Especial (Tare), sua ação mira a defesa dos cofres públicos, uma de suas atribuições previstas constitucionalmente.
Com esse entendimento, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, conduziu o julgamento no qual a Corte reconheceu o poder do Ministério Público de propor Ação Civil Pública contra benefícios concedidos a empresas pelos estados para atraí-las para o seu território. Trocando em miúdos, a decisão permite ao MP atuar contra a chamada guerra fiscal.
“A Ação Civil Pública ajuizada contra o Tare em questão não se cinge à proteção de interesse individual, mas abarca interesses metaindividuais, visto que tal acordo, ao beneficiar uma empresa privada assegurando-lhe o regime especial de apuração do ICMS, pode, em tese, mostrar-se lesivo ao patrimônio público, o que, por si só, legítima a atuação do parquet”, afirmou Ricardo Lewandowski.
O Ministério Público recorreu ao Supremo contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que o Tare versa sobre matéria tributária e de interesse individual, o que afastaria a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública contra o benefício fiscal. No STF, contudo, a decisão foi derrubada.
Por sete votos a quatro, o Supremo decidiu que ao contestar acordos fiscais entre estados e empresas o MP age na defesa do patrimônio público e do erário. Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, a ação do Ministério Público, nestes casos, não se enquadra no parágrafo único do artigo 1º da Lei 7.347/1985, que proíbe a proposição de ações civis públicas que versem sobre contra matéria tributária de natureza individual.
“A Ação Civil Pública não foi ajuizada para proteger direito de determinado contribuinte, mas para defender o interesse mais amplo de todos os cidadãos do Distrito Federal, no que respeita à integridade do erário e à higidez do processo de arrecadação tributária, que apresenta, a meu ver, natureza manifestamente metaindividual”, afirmou Lewandowski.
A matéria teve repercussão geral reconhecida pelo tribunal e é tratada em cerca de 700 ações semelhantes em tramitação na Justiça, em que o Ministério Público questiona acordos que totalizam até R$ 8 bilhões em renúncia fiscal. As ações estavam sobrestadas, aguardando a análise do STF. Agora, a decisão da Corte pode ser aplicada em todos esses processos.
Leia o voto do ministro Ricardo Lewandowski.


matéria capturada no site:www.conjur.com.br

sábado, 14 de agosto de 2010

PROCESSO COOPERATIVO

A noção de devido processo legal varia de acordo com a cultura de cada povo. Seu conteúdo é preenchido pelas experiências, não se podendo afirmar que há um modelo pronto e acabado de processo devido.
No Mundo Ocidental, a doutrina, em um esforço metodológico, identificou dois grandes modelos de processo devido: INQUISITO E DISPOSITIVO.
O modelo inquisitivo caracteriza-se pelo protagonismo judicial na condução do processo. Ao juiz cabem as principais tarefas. Fala-se que este modelo é mais comum nos países de "civil law".
Por sua vez, o modelo dispositivo, também chamado de processo liberal, caracteriza-se pelo protagonismo das partes. O processo seria uma espécie de duelo, tendo o juiz como mero espectador, com a única função de julgar. Mais comum nos países de "common law".
A definição, se um país adota o modelo inquisito ou dispositivo, é feita pelo critério da predominância.
O Brasil pelo enorme poder conferido ao juiz, aproxima-se mais do modelo inquisitivo.
Atualmente, como lembra Didier, prestigia-se no direito estrangeiro - mais precisamente na Alemanha, França e em Portugal -, e já com alguma repercussão brasileira, um terceiro modelo de processo devido, que seria uma síntese dos outros dois modelos, onde a condução do processo não teria protaganismos, mas um equilíbrio na condução do processo, onde partes e juiz cooperam entre si para a decisão justa: MODELO DE PROCESSO COOPERATIVO.
Aventado como princípio da cooperação, orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.
Essa participação, no dizer de Didier, não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação das decisões judiciais (art. 131 e 461, §5º, CPC). O magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo.
O processo cooperativo gera para o juiz três deveres: dever de esclarecimento, dever de proteção ou de prevenção e dever de consultar.
Pelo dever de esclarecimento, o juiz em dúvida diante de manifestação da parte, deve pedir esclarecimento; não poderia em tendo dúvida, não conceder. Não basta pedir esclarecimento, deve também prestá-lo.
O dever de proteção consistiria no dever do magistrado de apontar as deficiências das postulações das partes, para que possam ser supridas.No direito brasileiro, esse dever de prevenção está consagrado no art. 284, CPC, que garante ao demandante o direito de emendar a petição inicial, se o magistrado considerar que lhe falta algum requisito.
Por sua vez, o dever de consultar, consiste no dever do juiz de consultar as partes acerca de ponto de fato ou de direito relevante para a solução da causa, que não tenha ainda sido objeto do contraditório, mesmo que se trate de questão que ele pode conhecer de ofício. Trata-se de manifestação da garantia do contraditório, que assegura aos litigantes o poder de tentar influenciar na solução da controvérsia.
Acredito, que o processo cooperativo é tendência de nosso sistema processual, até mesmo, porque o projeto do novo CPC assim prevê. No entanto, me atormenta só o temperamento do processo cooperativo com a vontade louca por um processo cada vez mais célere, repito célere, e não de duração razoável. Mas isso será tema de outro post.

Estado federado não pode ser estado federal


Por Fernando da Fonseca Gajardoni
juiz de Direito no estado de São Paulo e professor doutor da Faculdade de Direito da USP – Ribeirão Preto (FDRP-USP).

No dia 8 de junho de 2010 uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, presidida pelo ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça, entregou ao Congresso, em tempo recorde, o anteprojeto de lei do novo Código de Processo Civil, destinado a substituir o emendado e remendado CPC vigente (Lei 5.869/73).
Diversamente do que se pode imaginar, o impacto que a aprovação do novo diploma terá na vida de todos nós brasileiros é imenso, vez que ele disciplinará, direta ou indiretamente, praticamente todo o trâmite dos processos não penais que terão curso no Judiciário nacional, com reflexos evidentes na vida e no patrimônio de todo aquele que for parte em uma demanda judicial.
Por isto é chegado o momento de toda a sociedade civil e do Congresso debaterem as proposições apresentadas pela Comissão, e verificar se elas espelham (ou não) a vontade soberana da Constituição Federal, que sem embargo de impor ao Poder Judiciário o dever de distribuir Justiça em tempo razoável (artigo 5º, LXXVIII, CF) — mote principal da reforma proposta — determina que o legislador federal respeite a autonomia dos Estados membros para adequar os procedimentos processuais às suas particularidades locais.
De fato, a Constituição Federal de 1988 inovou na história do constitucionalismo brasileiro ao estabelecer que, sem prejuízo da competência privativa da União para legislar sobre processo (artigo 22, I, da CF), possam os Estados e o DF legislar concorrentemente em matéria de procedimentos processuais (artigo 24, XI, da CF). Ao legislador federal compete, exclusivamente, a disciplina geral dos procedimentos, sendo que os pormenores, as particularidades, as nuances devem, todas, ser desenvolvidas pelos legislativos estaduais e distrital, conforme os interesses e realidade do povo local.
A opção do constituinte de permitir que os entes parciais legislem, entre outros temas de competência concorrente (artigo 24 da CF), sobre procedimento em matéria processual, deve-se a fato de que, com as dimensões continentais de nosso país e as diferenças regionais gritantes, o regramento genérico emanado pela União há de ser compatibilizado às realidades locais, tudo em prol da sua ideal aplicação, com melhorias nos serviços judiciários.
Dados oficiais do Conselho Nacional de Justiça (Justiça em Números — 2008) revelam a absoluta disparidade entre as realidades judiciárias nos Estados. Enquanto cada juiz de primeiro grau de SP e RS recebeu em média, respectivamente, 2.540 e 2.515 processos/ano (2008), juízes de estados como RJ e MG receberam praticamente metade — 1.094 e 1.344 processos — não comparáveis, ainda, com os 621 e 628 processos recebidos pelos juízes estaduais de AL e MA. Quadro não distinto se verifica nos Tribunais de Apelação (segunda instância), em que cada desembargador gaúcho recebeu 3.019 processos em média contra 1.523 dos paulistas, e 771, 312 e 487 processos dos desembargadores do RJ, AL e MA (2008).
Embora estes dados mereçam uma série de temperamentos e não signifiquem que a Justiça de um estado é mais ou menos eficiente que a outra, eles já são suficientes para revelar que as condições econômicas, culturais e, porque não, territoriais, de cada um dos estados federados, têm reflexos na natureza, na complexidade das causas e no número de processos que aportam no Judiciário.
Não faz sentido, por isto, que uma lei federal como o novo CPC — que trata não só de questões relacionadas ao processo (poderes, deveres, ônus, sujeições das partes, advogados e juízes), mas também de regras procedimentais (forma, modo e prazos) — esgote a disciplina do tema, não deixando espaço para que os legislativos locais cumpram o papel que lhes foi confiado pelo constituinte, disciplinando, conforme as particularidades e necessidades do povo local, mecanismos procedimentais que possam melhorar a qualidade da tutela jurisdicional. Ilógico que o Judiciário de estados de menor porte tenha que seguir as mesmas regras procedimentais impostas genericamente pelo legislador federal a todo o país, muitas vezes elaboradas à luz da realidade alarmante de um ou outro estado (como São Paulo), cujas deficiências na prestação do serviço jurisdicional têm razões históricas, sociais e econômicas.
Por isto é o legislador estadual e distrital que devem definir, na existência de particularidades locais, e à luz da CF e das regras genéricas e mínimas estabelecidas pelo legislador federal, qual o rito dos processos no seu estado, quais os atos processuais que podem ser dispensados, qual o trâmite recursal a ser seguido no âmbito dos tribunais, e não o legislador federal como se projeta detalhadamente no novo CPC. Afinal, o simples abraçar, pelo estado brasileiro, do regime federalista, já implica reconhecimento de inúmeras diferenças regionais, hábeis, portanto, a ensejar tratamento não igualitário aos jurisdicionados postados em locais diferentes dentro da imensidão do território brasileiro.
Recentemente um juiz federal dos EUA (Boston) reconheceu a inconstitucionalidade da lei federal americana que proíbe casamento gay, exatamente por entender que ela viola o pacto federativo e interfere no direito de os estados legislarem sobre o tema (Folha, Mundo, 9 de julho de 2010). Sem desconhecer as diferenças entre o nosso federalismo com o deles, que este precedente sirva de alerta para que sociedade, Congresso e STF não permitam que o nosso estado federado se transforme em um estado federal.

* matéria capturada no site:www.conjur.com.br em 14.08.2010

sábado, 7 de agosto de 2010

Segunda Câmara Criminal do TJMA: quando denegar ou julgar prejudicado o habeas corpus em razão da perda do objeto

A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão tem entendimento pacífico no sentido de que cessado o constrangimento ilegal, seja pela soltura do réu, seja pelo término da instrução criminal, a teor da Súmula 52 do STJ (ENCERRADA A INSTRUÇÃO CRIMINAL, FICA SUPERADA A ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO POR EXCESSO DE PRAZO), o habeas corpus deverá ser julgado prejudicado, em razão da perda superveniente do objeto.
No entanto, alguns habeas corpus são impetrados com a instrução já encerrada ou com o paciente já em liberdade, razão pela qual, nestes casos, a Segunda Câmara entende que o writ deve ser denegado, pois destituído de razão jurídica.
Em síntese, se na data da protocolização do remédio heróico o paciente já estiver solto e/ou a instrução encerrada, será denegado; agora, se a perda do objeto do HC ocorrer no curso deste, será considerado prejudicado.

domingo, 18 de julho de 2010

Quem é o malandro?

Em uma dessas discussões acerca da criminalidade que nos assola, ouvi uma história um tanto quanto cômica.
Um senhor saía do banco com uma certa quantidade de dinheiro, quando de repente foi abordado por um indivíduo que, sem pestanar, disse: 
- Passa o dinheiro vagabundo!
O senhor, assaltado, ficou extremamente irresignado com o ocorrido, e contando o fato, expressou com a calma peculiar toda a sua revolta: 
- Agora, vejam, o homem me chamou de vagabundo. Deu vontade de dizer para ele, toma o dinheiro trabalhador.
Será que é só o criminoso que está invertendo os papéis.
Qual é o benefício para quem trabalha 44 horas por semana e paga seus muitos impostos?
Será que ele tem garantido educação, saúde, moradia, alimentação, segurança e todos os direitos a ele "prometidos" na Constituição.
De que lado o Estado está?
A impunidade é grande e as vítimas que se contentem com os discursos prontos de uma ressocialização que não ocorre.
Não quero entrar no mérito da mudança das leis, com simplesmente mais rigor, mas quero chamar atenção que o criminoso deve ser punido com maior eficácia.
Duvido quem não quiz fazer justiça com as próprias mãos.
No final das contas, nós é que somos os malandros.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

HÁ DECADÊNCIA NO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO?


A decadência é prevista como causa extintiva do crédito tributário no art. 156, V, CTN e é conceituada como a perda do direito de "constituir" o crédito tributário (ou seja, de lançar) pelo decurso de certo prazo. Como o lançamento é condição de exigibilidade do crédito tributário, a falta desse ato implica a impossibilidade de o sujeito ativo cobrar o seu crédito[1].
O lançamento é atividade privativa da autoridade administrativa a quem a lei do ente político atribui competência para fazê-lo. Entretanto, o CTN permite a participação do sujeito passivo na atividade, onde a intensidade desta participação determinará a modalidade de lançamento, que pose ser: de ofício ou direto, por declaração ou misto e por homologação.
No lançamento de ofício, a autoridade fiscal procede diretamente ao lançamento do tributo, sem colaboração relevante do devedor. No lançamento por declaração ou misto, como o próprio nome denota, há um misto de atuação (administração e sujeito passivo ou terceiro) na realização do procedimento, a administração lançará o tributo com base na declaração do sujeito passivo ou terceiro. E, no lançamento por homologação, tomando emprestado o conceito legal do art. 150 do CTN, a lei atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, operando-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. A homologação pode ser expressa, quando a autoridade edita ato formal concordando com a atividade do sujeito passivo, ou tácita, quando escoar o prazo legal para a homologação expressa.
Diante de tais premissas conceituais, cabe agora adentrar-se na questão formulada.
Ricardo Alexandre afirma[2]:
“Normalmente, o lançamento por homologação não está sujeito à decadência, posto que, com o passar do prazo sem providência administrativa, o lançamento se tem por perfeito e acabado. Entretanto, na linha adotada pela doutrina majoritária, é possível perceber que o passar do prazo para a homologação efetivamente extingue o direito de que se lancem diferenças entendidas devidas.”

Na realidade, como ensina o citado autor, decai é o direito de a Administração Tributária lançar de ofício as diferenças apuradas, caso viesse a deixar de “homologar o lançamento”. Entretanto, passado o prazo sem qualquer providência, o lançamento por homologação reputa-se legalmente efetuado.
Luciano Amaro arremata[3]:
“O lançamento por homologação não é atingido pela decadência, pois, feito o pagamento (dito "antecipado"), ou a autoridade administrativa anui e homologa expressamente (lançamento por homologação expressa) ou deixa transcorrer, em silêncio, o prazo legal e, dessa forma, anui tacitamente (lançamento por homologação tácita). Em ambos os casos, não se pode falar em decadência (do lançamento por homologação), pois o lançamento terá sido realizado (ainda que pelo silêncio).
O que é passível de decadência é o lançamento de ofício, que cabe à autoridade realizar quando constate omissão ou inexatidão do sujeito passivo no cumprimento do dever de "antecipar" o pagamento do tributo.”

Quanto ao termo inicial deste prazo decadencial, o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado entendimento esposado nas seguintes regras:
a) se o tributo não foi declarado nem pago, o termo inicial do prazo decadencial é o primeiro dia do exercício seguinte (aplicação do art. 173, I, do CTN);
Como não há pagamento, nem declaração, logo não há o que homologar. Assim, aplica-se a regra geral de contagem do prazo decadencial para efeito de realização do lançamento de ofício.
O STJ, com esse posicionamento, vem sepultando a antiga tese dos cinco mais cinco, onde entendia que terminado o prazo de cinco anos contados do fato gerador, havia homologação tácita e, a partir do primeiro dia do exercício seguinte, deveria ser iniciada a contagem do prazo decadencial, ou seja, combinava os arts. 173, I e 150, §4º, do CTN.
b) se foi realizado o pagamento, a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos, contados da data do fato gerador, para homologar tal pagamento expressamente ou realizar eventual lançamento suplementar (de ofício), caso contrário, ocorrerá homologação tácita e o crédito estará definitivamente extinto (aplicação do art. 150, §4º do CTN);
c) se o tributo foi declarado e não pago, não há que se falar em decadência, pois o crédito tributário estará constituído pela própria declaração de débito do contribuinte, sendo possível a imediata inscrição em dívida ativa e posterior ajuizamento da ação de execução fiscal (a preocupação passa, portanto, a ser com o prazo prescricional, contado a partir do vencimento do prazo para pagamento);
d) se foi realizado o pagamento, mas verificada a presença de dolo, fraude ou simulação, conta-se do primeiro dia do exercício seguinte (aplicação do art. 173, I, do CN).
Desta feita, depreende-se que, efetivamente, o lançamento por homologação não se submete ao instituto da decadência, pois a inércia da autoridade administrativa implica em homologação tácita, a não ser quanto às possíveis diferenças ou pela falta de pagamento, mas, nestas hipóteses, a decadência fulmina é o dever de lançar de ofício, pois não se homologa algo que efetivamente não existe (diferença ou o próprio pagamento).
Assim, o prazo, após o qual se considera realizado tacitamente o lançamento por homologação, tem natureza decadencial (segundo o conceito dado pelo CTN), pois ele implica a perda do direito de a autoridade administrativa (recusando homologação) efetuar o lançamento de ofício. O que é passível de decadência, pois, é o lançamento de ofício, não o lançamento por homologação.


[1] AMARO, Luciano. Extinção da obrigação tributária. Decadência e prescrição. Disponível em: Direito Tributário Brasileiro, 14ª edição. Ed. Saraiva. Capítulo XIII. Material da 3ª aula da disciplina Obrigação e Crédito Tributários, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Tributário - UNISUL/REDE LFG.

[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Método, 2007.
[3] Ob., cit.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O VALOR DAS INDENIZAÇÕES NO DANO MORAL

Há muito tempo que o dano moral é passível de indenização e com o crescimento da conscientização das pessoas sobre seus direitos, em especial, relacionados com a relação de consumo, muitas ações se proliferaram pelo Judiciário.
O interessante é que logo em seguida foi - agora um pouco menos- difundido a falsa ideia da chamada "indústria do dano moral".
Por que falo isso?
Simplesmente porque essa ideia tinha uma objetivo claro: transformar o réu em vítima e o autor em aproveitador, ganhando força, cada vez mais, a teoria que o valor da indenização não deveria gerar o enriquecimento sem causa do autor.
 O fato é que o Judiciário está atolado de demandas desta natureza, não porque há muitos oportunistas, mas sim porque as empresas preferem desrespeitar o direito do consumidor e continuarem a responder demandas judiciais que tarifam o valor das indenizações em patamares ínfimos em processos que se arrastam por anos, o que na contabilidade geral é lucrativo, uma vez que o Judiciário é um bom parceiro.
É sabido que a indenização tem um duplo objetivo: reparador e preventivo. Quanto ao aspecto reparador, deixo de emitir um juízo de valor, pelo fato que o caso concreto que a determinará, mas o preventivo, com absoluta certeza, não está sendo alcançado.
Sou amplamente favorável a indenizações cada vez maiores, pois só assim as empresas respeitarão os consumidores e o Judiciário poderá respirar.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Reclamação nº 2138 e a abrangência de agente político que responde por crime de responsabilidade

No julgamento da Reclamação nº2138, após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativa previstos na CF, quais sejam, o do art. 37, § 4º, regulado pela Lei 8.429/92, e o regime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinado pela Lei 1.079/50, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria, que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidade em ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I, c, da CF.

"Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição.”(Trecho da ementa do acórdão da Rcl. 2138 DF)

Para o Ministro Jobim, relator do processo, o julgamento de um agente político, como ministro de Estado, por um juiz de primeira instância é incompatível com a Constituição Federal (artigo 102, I, “c”), que concede prerrogativa de foro a essas autoridades. Assim, não se trataria de um privilégio pessoal dos agentes políticos, mas uma garantia para que possam exercer suas atribuições político-administrativas, que consistem em expressar a vontade soberana do Estado.

O Min. Gilmar Mendes, acompanhando o relator, acrescentou ainda, que a norma apesar de não ser de natureza penal, possui forte “conteúdo penal”, prevendo sanções de elevada gravidade, razão pela qual se deve respeitar a prerrogativa de foro. Além disso, esclarece que não se trata de entendimento que privilegie a impunidade, uma vez que as penas referentes ao ressarcimento de danos ao erário, por exemplo, poderiam ser feitas por vias ordinárias, como ação de cobrança, e neste caso, sob a competência da justiça de primeiro grau.

Em argumentação oposta, a minoria, conduzida pelo Ministro Carlos Velloso, entendeu que, apesar dos agentes políticos responderem pelos crimes de responsabilidade previstos nas respectivas leis especiais (CF, art. 85, parágrafo único), em nada seria vedado, que os mesmos respondessem na forma da Lei nº 8.429/92, por atos administrativos não tipificados como crime de responsabilidade e estivessem definidos como ato de improbidade, em observância ao princípio da moralidade. Submetidos, assim, de igual modo aos demais agentes públicos, ao crivo do juízo de 1º grau.

O Min. Joaquim Barbosa acompanhando o voto vencido, acresce a esses fundamentos que no Brasil coexistem disciplinas normativas diversas em matéria de improbidade, as quais embora visando à preservação da moralidade na Administração Pública, possuem objetivos constitucionais diversos: Lei 8429/92, concretização do princípio da moralidade administrativa, buscando coibir a prática de atos desonestos e antiéticos; art. 85, V, da CF e, na Lei 1.079/50, responsabilização política, onde o objetivo seria o de lançar no ostracismo político o agente político faltoso. Dessa forma, estar-se-ia diante de entidades distintas que não se excluiriam e poderiam ser processadas separadamente, em procedimentos autônomos, com resultados diversos, não obstante desencadeados pelos mesmos fatos, o que é perfeitamente admissível em nosso ordenamento jurídico. Acresce ainda que, eximir os agentes políticos da ação de improbidade administrativa, além de gerar situação de perplexidade que violaria os princípios isonômico e republicano, seria um desastre para a Administração Pública, um retrocesso institucional. Por fim, considerava que a solução então preconizada pela maioria dos Ministros, ao criar nova hipótese de competência originária para o Supremo (CF, art. 102), estaria rompendo com a jurisprudência tradicional, segundo a qual a competência da Corte só poderia ser estabelecida mediante norma de estatura constitucional, sendo insuscetível de extensões a situações outras que não as previstas no próprio texto constitucional. Destarte, a ação proposta deveria ter seu curso normal perante as instâncias ordinárias.

Esposado nos argumentos expostos, entende-se que os dois regimes de responsabilidade podem ser aplicados, uma vez que as responsabilizações são diferentes e acima de tudo pelo clamor nacional, ou seja, causaria um vazio nos anseios populares saber que os principais mandantes da nação não são passíveis de responsabilização perante a lei de improbidade administrativa, que nasceu para esse fim, coibir “desatinos” com o bem público.

No entanto, essa convivência dos institutos requer uma análise não simplesmente jurídica, mas também política, já que não é razoável que um mandante maior da nação fique sujeito a perda do cargo por ações tramitando perante juiz singular.

A lei nº 1079/50 prevê como penalidades a perda do cargo e a inabilitação para exercício de qualquer função pública por até oito anos, enquanto o regime previsto na lei de improbidade administrativa, além daqueles, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário. Assim, parece ter razão quem prega que na aplicação das penas de perda de cargo e inabilitação para exercício de função pública aplicar-se-ia a lei de crimes de responsabilidade e nos demais, a lei n.º 8429/92, onde estas tramitariam no juízo de primeiro grau e aquelas no STF, resguardando a autonomia dos altos escalões do governo em suas decisões político-administrativas, por serem expressões da vontade soberana do Estado, como aventado pelo Ministro Jobim.

Em relação ao campo de abrangência dos agentes políticos que respondem por crime de responsabilidade, o STF no caso em análise entendeu que só se refere àqueles previstos no art. 102, I, “b” e “c”, e art. 52, I e II da Constituição Federal.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo n.º 417, STF. Disponível em: www. stf.gov.br.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 2.138-DF. Relator Originário: Min. Nelson Jobim. Relator para o acórdão: Min. Gilmar Mendes (art. 38, IV, b, do RISTF). DJE nº 070, Divulgação 17/04/08, Publicação 18/04/08, Ementário n.º 2315-1, Brasília, DF.